Sensibilidade a flor da pele. A ciência
comprova que a fibromialgia é, sim, uma doença física. E conviver com esse
problema, responsável por dores que nunca vão embora, nem sempre é um caminho
de espinhos.
por Kátia
stringueto
Dói. E como
dói. Ontem, hoje, amanhã. Dói sempre. Às vezes mais, às vezes menos. Mas parar
de doer é raro. Dor nos ombros, nos braços, nas costas, nas pernas, na cabeça,
nos pés. Quem tem fibromialgia conhece bem o corpo. Todo ele reclama. A ponto
de, em momentos de crise, um toque delicado como o de uma flor incomodar.
Abraços e carinhos muito desejados também machucam quando a sensibilidade
ultrapassa os níveis de normalidade e bate asas, voando longe do controle. E
uma situação assim demorou para ser considerada um mal físico. Era confundida
com depressão e estresse. Por falta de informação — e diagnóstico —, os
pacientes ainda tinham que sofrer na alma o transtorno que a dor já impingia ao
corpo.
Agora esse
capítulo mudou. Evidências comprovam que fibromialgia é doença física, sim. Não
se trata de uma síndrome invisível. “Há trabalhos científicos mos trando que o
portador apresenta alterações na anatomia cerebral”, defende o reumatologista
Roberto Ezequiel Heymann, coord enador do Ambulatório de Fibromialgia do
Hospital São Paulo, na capital paulista.
Um desses estudos
foi apresentado no final de 2008 na França. Graças a um exame por imagem
chamado Spect (sigla em inglês para tomografia computadorizada por emissão de
fóton), os médicos do Centro Hospitalar Universitário de La Timone, em
Marselha, constataram que no cérebro de 20 mulheres com esse tipo de
hipersensibilidade havia um fluxo maior de sangue em regiões que identificam a
dor. Paralelamente, notaram uma queda de circulação na área destinada a
controlar os estímulos dolorosos. Nas dez voluntárias saudáveis que
participaram da pesquisa, nenhuma alteração foi detectada. A investigação se
soma a outros dados consagrados sobre a presença do distúrbio, como o aumento
dos níveis de substância P, o neurotransmissor que dispara o alarme dolorido, e
a menor disponibilidade de serotonina, molécula que avisa o sistema nervoso que
a causa do tormento já passou.
No Brasil,
um estudo inédito corrobora a tese de que os fibromiálgicos têm o sofrimento
que alegam. O médico Marcos Brioshi, do Hospital Nove de
Julho, em São Paulo, analisou 223 pacientes submetidos à termometria, um exame
que transforma o calor do corpo em imagem — quanto mais vermelha, maior a
circulação sanguínea no alvo da sensação desagradável.
O
especialista verificou que, nos casos de fibro, três sinais são
característicos: um manto que cobre o peito e as costas, uma máscara em torno
dos olhos e extremidades frias. “A avaliação clínica
ainda predomina, mas esse método complementar ajuda no diagnóstico,
distinguindo o problema de outras doenças crônicas, como a artrite”, diz o termologista.
Confirmada
que a fibro está longe de ser uma doença psíquica, a pergunta que ainda não foi
respondida é por que ela acontece. “Quando soubermos a sua origem,
conseguiremos acabar com a causa e encontrar a cura”, diz o neurocirurgião
Claudio Fernandes Correa, também do Hospital Nove de Julho, em São Paulo. Por
enquanto, o que se conhece são os gatilhos do terrível incômodo — fatores que
desencadeiam a crise, como o estresse pós-traumático —, além dos meios de
minimizar o quadro e devolver qualidade de vida aos pacientes. Nesse ponto, há
novidades.
Um
considerável número de médicos acredita que, no futuro, a associação de drogas
como antidepressivos e neuromoduladores, a nova alcunha dos anticonvulsivantes,
terá efeito sinérgico na briga contra a dor. É que, enquanto o
antidepressivo eleva a oferta de serotonina e noradrenalina, sedativos naturais
do sistema nervoso, os neuromoduladores alteram a transmissão do estímulo
doloroso para o cérebro, diminuindo os níveis da tal substância P.
A bomba de
morfina, outra estratégia medicamentosa para aliviar o suplício, por sua vez
parece estar à beira do descarte. “Drogas como os opioides, com exceção do
tramadol, não são muito eficazes nas pessoas fibromiálgicas”, conta Heymann. O
consenso é que na cesta de cuidados não podem faltar remédios, atividade física
aeróbica e acompanhamento psicoterápico (veja o quadro acima). Um exemplo:
caminhar de três a quatro vezes por semana, durante 30 minutos, libera
substâncias prazerosas como as endorfinas e relaxa a musculatura. Alguns portadores
que seguem esse receituário chegam até a dispensar a medicação.
Uma última
informação, não menos importante, é o olhar para o que vai no prato. Quem
apresenta quadros de dores crônicas precisa de proteína, ferro, cálcio e
vitaminas do complexo B. Os medicamentos costumam dificultar a absorção desses
nutrientes e essa carência pode estar relacionada ao aumento do desconforto
generalizado. “Basta imaginar que, se há falta de proteína, o corpo vai
roubá-la dos músculos, que ficam ainda mais sensíveis”, explica Marco Dias
Leme, nutricionista do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas de São Paulo. De
qualquer forma, cresce a certeza de que o indivíduo com fibromialgia merece uma
dedicação tão respeitosa quanto global.
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